quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Esta Saudade

 Esta Saudade

Esta saudade és tu... E é toda feita
de ti, dos teus cabelos, dos teus olhos
que permanecem como estrelas vagas:
dos anseios de amor, coagulados.

Esta saudade és tu... É esse teu jeito
de pomba mansa nos meus braços quieta;
é a tua voz tecida de silêncio
nas palavras de amor que ainda sussurram...

Esta saudade são teus seios brancos;
tuas carícias que ainda estão comigo
deixando insones todos os sentidos.

Esta saudade és tu... é a tua falta
viva, em meu corpo, na minha alma, viva,
... enquanto eu morro no meu pensamento.

               



Razões...


Pensarás que é mentira e é no entanto verdade
— mas me afasto de ti, propositadamente,
pelo estranho prazer de sentir que a saudade
ainda torna maior o coração da gente...

Parto! Bem sei que parto sem necessidade!
Quero ver os teus olhos turvos, de repente,
embora não compreenda essa felicidade
que assim te faz sofrer comigo inutilmente!

Quero ouvir-te na hora da despedida
que eu volte bem depressa para a tua vida,
— quero no último beijo um soluço interior...

Que enquanto ficas só, e enquanto vou sozinho,
sabemos que a saudade vai tecendo o ninho
que há de aquecer na volta o nosso eterno amor!

Dedicatória

 Dedicatória


Este meu livro é todo teu, repara
que ele traduz em sua humilde glória
verso por verso, a estranha trajetória
desta nossa afeição ciumenta e rara!

Beijos! Saudades! Sonhos! Nem notara
tanta cousa afinal na nossa história...
E este verso - é a feliz dedicatória...
onde a minha alma inteira se declara...

Abre este livro... E encontrarás então
teu coração, de amor, rindo e cantando,
cantando e rindo com o meu coração...

E se o leres mais alto, quando a sós,
é como se estivesses me escutando
falar de amor com a tua própria voz!

Classicismo

 Classicismo

Longínquo descendente dos helenos
pelo espírito claro, a alma panteísta,
— amo a beleza esplêndida de Vênus
com uma alegria singular de artista!

Amo a aventura e o belo, amo a conquista!
Nem receio os traidores e os venenos...
— Trago na alma engastada uma ametista,
— meus olhos de esmeraldas são serenos!

Com os pés na terra tenho o olhar no céu;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chão; nos lábios, tenho mel...

Meu culto é a liberdade e a vida sã.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mágica de Pã!

Cartas

 Cartas


Vou correndo buscá-las — são tão leves!
mas trazem a minha alma um grande encanto,
— por que as cartas que escreves custam tanto?
— por que demora tanto o que me escreves?

Não deves torturar-me assim, não deves!
— Do teu silêncio muita vez me espanto...
Mando-te longas cartas — e entretanto
como tuas respostas são tão breves!...

Recebes cartas minhas todo dia,
e elas não dizem tudo o que eu queria
mas falam-te de amor... de coisas belas!

Tuas cartas... Mas dou-te o meu perdão,
— que me importa afinal eu ter razão,
se gosto tanto de esperar por elas!

Do livro "Bazar de Ritmos", Editora Vecchi, 6 ª ed. 1963, RJ


Carta Inútil

Tu não mereces o meu sofrimento
ele é grande demais para quem és,
nem devia afinal (triste momento),
— por fraqueza humilhar meu sentimento,
e ajoelhar-me adorando-te aos teus pés...

Passaste tão depressa!... Em minha vida
às vezes penso que nem foste minha!
Como a aragem soprando distraída
acendeste uma brasa adormecida
e deixaste-a queimar-se após, sozinha...

Minha angústia interior é aquela chama
vermelha, consumindo a brasa acesa...
A Vida é assim... bem sei... sofre quem ama,
e, covarde, é o mundo, o que reclama
contra um quinhão de dor e de tristeza!

Ainda guardo a silhueta de teu vulto
e o que ontem me dizias sei de cor,
— por tudo o que mentiste não te insulto,
fiz das lembranças que deixaste um culto
e a vida sem lembranças... ainda é pior...

Quase sempre é melhor o sofrimento
quando ele encerra uma lembrança boa,
que uma vida vazia, o isolamento,
— sem uma voz trazida pelo vento!
— sem um vulto passando na garoa!

Doloroso é voltarmos nosso rosto
e o passado fugir como um caminho
deserto, a essa hora roxa do sol posto,
— sem um riso, uma lágrima um desgosto
a saudade de um beijo ou de um carinho...

Quando o mal terminou, já está curado,
mesmo a sombra da dor ainda conforta...
— bem pior, é não ser ter nunca chorado,
vendo o mundo a passar sem ter passado
e a vida inteira inutilmente morta!

Confesso, sim... que não mereces tanto
não mereces um culto igual ao meu...
Tudo em ti foi tão falso... hoje, me espanto
ao ver que tantas vezes o teu pranto
numa ironia cruel me comoveu...

Mas, não toquemos nisso... Não se deve
falar de um mal que nos maltrata assim,
— nem sempre o que se pensa a gente escreve...
— que o esquecimento seja um véu de neve
descendo suave sobre o nosso fim...

Teu amor foi apenas uma nuance,
desmaio de um segundo nos meus braços,
— é inútil que ainda insista e ainda me canse
a procurar em vão nesse ex-romance
a falsa trajetória de teus passos...

Foste um lírico instante de beleza
a efêmera existência de uma flor!
Uma folha a rolar na correnteza,
um segundo de anseio e de incerteza,
— mentira ingênua que eu chamei de amor!

Gota d'água brilhante ainda em suspenso
num fio... quando o sol quente a encontrou,
— partida que não teve o adeus de um lenço,
história antiga que não tem mais senso,
livro que o vento sem querer fechou...

Foste isso: uma ilusão que a gente espera!
(E as ilusões são como as serpentinas
que nos fogem da mão...) Falsa e insincera
hoje me lembras uma fora de hera
no muro branco de passado em ruínas!

Que fizeste do mundo de alegrias
que presenteei ao teu destino vago?
Dei-te a mancheias tudo que querias,
— palavra de honra que não merecias,
o sádico prazer com que me embriago...

Não mereces a dor que punge e espinha
nem esta carta viva de emoções!
Às vezes penso que nem foste minha
e que a minha alma louca, anda sozinha
num delírio de sombra e de visões!

É sempre assim. A mão destrói o sonho!
Toquei-te... E eras de pano, tola e fútil,
— ainda bem que te foste!... Hoje, tristonho
reduzi — com estes versos que componho —
a nossa história numa carta inútil...

Nunca esta carta te será bem-vinda
hás de soltá-la indiferente aos pés...
Confesso, quando a dor me fere ainda
que a Vida que sonhei e hoje está finda,
era grande demais... para quem és...

                                           J. G . de  Araujo Jorge

Do livro "Amo!", Editora Vecchi, 10ª ed. 1963, RJ


ALVORADA Eterna

 

ALVORADA Eterna



Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos...

Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos...

Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chão, de folhas junca...

Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
é uma alvorada que não morre nunca!

sábado, 7 de agosto de 2021

O verbo amar

 O verbo amar


Te amei: era de longe que te olhava
e de longe me olhavas vagamente...
Ah, quanta coisa nesse tempo a gente sente,
que a alma da gente faz escrava.

Te amava: como inquieto adolescente,
tremendo ao te enlaçar, e te enlaçava
adivinhando esse mistério ardente
do mundo, em cada beijo que te dava.

Te amo: e ao te amar assim vou conjugando
os tempos todos desse amor, enquanto
segue a vida, vivendo, e eu, vou te amando...

Te amar: é mais que em verbo é a minha lei,
e é por ti que o repito no meu canto:
te amei, te amava, te amo e te amarei!

(Poema de JG de Araujo Jorge
do livro -Bazar de Ritmos- 1935)

Exaltação do amor

 Exaltação do amor


Sofro, bem sei... Mas se preciso fôr
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrêla alcançar... colher a flor...

Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor... com o meu Amor!

Nada me impedirá que seja meu
se é fogo que em meu peito se acendeu
e lavra, e cresce, e me consome o Ser...

Deus o pôs... Ninguém mais há de dispor!

Se êsse amor não puder ser meu viver
há de ser meu para eu morrer de Amor!

(Poema de JG de Araujo Jorge
do livro -Bazar de Ritmos- 1935)

Bilhete

 Bilhete

O teu vulto ficou na lembrança guardado,
vivo, por muitas horas!... e em meus olhos baços
Fitei-te – como alguém que ansioso e torturado
Tentasse inutilmente reavivar teus traços...

Num relance te vi – depois, quase irritado
Fugi, - e reparei que ao marcar os meus passos
ia a dizer teu nome e a ver por todo lado
o teu vulto... o teu rosto... e o clarão dos teus braços!

Talvez eu faça mal em querer ser sincero,
censurarás – quem sabe? Essa minha ousadia,
e pensarás até que minto, e que exagero...

Ou dirás, que eu falar-te nesse tom, não devo,
que o que escrevo é infantil e absurdo, é fantasia,
e afinal tens razão... nem sei por que te escrevo!


(Poema de J.G. de Araujo Jorge, extraído do livro
"Meu Céu Interior", 1ª edição, setembro,1934.)

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Quando chegares...

 Quando chegares...


Não sei se voltarás
sei que te espero.

Chegues quando chegares,
ainda estarei de pé, mesmo sem dia,
mesmo que seja noite, ainda estarei de pé.

A gente sempre fica acordado
nessa agonia,
à espera de um amor que acabou sendo fé...

Chegues quando chegares,
se houver tempo, colheremos ainda frutos, como ontem,
a sós;
se for tarde demais, nos deitaremos à sombra e
perguntaremos por nós...

( Poesia de JG de Araujo Jorge - extraído do livro
De mãos dadas- 2a edição  1966 )

Variações sobre um tema banal

 Variações sobre um tema banal


I

Não te esqueças que a vida é um momento que voa
um efêmero instante de beleza e alento;
vive pois sem temor e com desprendimento
o que ela te ofertar, sem maldize-la à-toa!

E' uma nuvem que muda aos caprichos do vento!
Se hoje a perdes... O tempo nunca te perdoa!
Vida! Repara bem como a palavra soa!
Não temas pronunciá-la com deslumbramento!

Há alguém, não sei quem é, mas disto estou seguro,
que nos há de intimar num remoto futuro
a dar contas da vida que um dia ganhamos...

E após tal julgamento estranho, com certeza
havemos de sofrer e pagar, se em defesa
não der-mos as razões porque a desperdiçamos...

II

O que a vida te der, seja migalha embora,
se é migalha de amor, de prazer, de alegria,
- colhe-a! que esta migalha é o pão de cada dia,
e há de um dia chorar quem hoje a jogar fora!

Quem muito quer, despreza o pouco, sempre chora,
ou quem indiferente segue, de alma fria,
há de um dia parar e há de lembrar-se um dia
do clarão que se foi numa longínqua aurora!

Então, nada haverá... nem mais frutos nos ramos
nem migalhas de amor - se outrora as desprezados,-
e a indiferença de ontem sofre arrependida...

E ante a sombra que vem velar nosso desgosto
procuramos em vão uma aurora perdida
na luz que desespera e morre num sol-posto!

III

Hás de te arrepender sempre tarde demais
dos momentos de amor ou de puro prazer
que com medo talvez, não quiseste colher
e ficaram em branco ... inúteis, para trás ...

Vive com todo o ardor de que fores capaz
e a essa paixão entrega, em êxtase, teu Ser.
Ah! bem pior do que a dor vivida, podes crer,
é a dor de não poder vivê-la nunca mais!

Não receies sofrer, que é vida o sofrimento.
Receia, e com razão - cada dia perdido
sem que o amor te arrebate ou te perca um momento.

De nada há de servir-te o desespero teu,
pois mais vale chorar o amor que foi vivido
que lastimar o amor que um dia se perdeu!

IV

Quantas vezes já ouvi dizer amargamente
quando a noite do tempo chegou sem alarde:

"só agora depois que o coração não arde,
não arde o coração... e a alma já não sente...
- vejo, quanto perdi, irremediavelmente,
por ter sido na vida, um tímido, um covarde!
Ah! se pudesse ser o que fui, novamente!"

Quantas vezes já ouvi dizer... mas muito tarde...


Sofrimento absurdo esse arrependimento
de tudo ter podido alcançar num momento
e tudo ter perdido sem erguer a mão...

E abatido ir sentido a invasão desse tédio
que vai enregelando aos poucos, sem remédio:
a alma, o sonho, a esperança, a vida, o coração!

V

Antes se arrepender do que se fez um dia
por sincero prazer pondo tudo de lado,
do que o arrependimento de se ter deixado
de fazer, por temor... - se o coração pedia.

Se colheste a emoção com intensa alegria
e se foste feliz e marcaste o passado,
bendiz esse segundo ou essa hora, - esse dia
em que o mundo foi teu, vencido e conquistado...

A vida é uma aventura e é preciso vivê-la!
Nada há que justifique uma abstinência ao mundo,
- ergue a mão para o céu e colhe a tua estrela!

E' a hora do Natal... A estrela é o teu presente!
Mesmo que ela cintile apenas um segundo,
contigo hás de levá-la indefinidamente...

VI

Escreve com teu sangue o teu próprio romance
enche-o com teu amor, misto de sonho e vinho,
mais vale ter no peito enterrado um espinho
depois - que a solidão até onde a vista alcance...

Sofrimento é afinal perceber, de relance,
que já estamos ao fim de um imenso caminho
e que tudo que esteve um dia ao nosso alcance
passou... E olhar em torno, e se sentir sozinho...

Não, não tentes voltar, porque a vida não volta...
Jogarás contra o vento a angústia e o desespero
e em espumas verás tua inútil revolta. . .

Vive, pois... E se assim te falo, e isso te digo,
é que poderás ver no instante derradeiro
que se a vida foi vã a memória é um castigo!

  ( Poema de JG  de Araujo Jorge 
in " Concerto a 4 Mãos"  - 1961 )

Amor...de mentiras

 Amor...de mentiras


I
Eram beijos de fogo, eram de lavas,
e sabiam a sonhos e ambrosias.
Com pensar que a boca com que os dava
era a mesma  afinal com que mentias?

Se eras as mais humilde das escravas
em dádivas, anseios, alegrias,
- como prever que o amor que me juravas
seria mais uma das tuas heresias ?

Como supor ser tudo um falso jogo?
E crer que se extinguisse aquele fogo
que acendia em teus olhos duas piras?

E descobrir, - no instante em que me amavas, -
que em tua boca ansiosa misturavas
ao mesmo tempo beijos e mentiras ?

II
Eram brancas as mãos, brancas e puras,
mãos de lã, de pelúcia, mãos amadas...
Como prever, vendo-as fazer ternuras,
que nas unhas traziam emboscadas ?

Era tão doce o olhar... em conjeturas
felizes, e em promessas impensadas...
Como enxergar, portanto, as amarguras
e as frias traições nele guardadas ?

Como pensar em duas, se somente
uma eu tinha em meus braços, e adorava,
e a outra, - uma impostora, - se mantinha ausente.

E, afinal, como ver, nessa alegria,
que o amor que tanta Vida me ofertava
seria o mesmo que me mataria ?

( Poema de JG de Araujo Jorge
extraído do livro Epera- 1960 )

 Chovia...chovia


Naquela tarde, como chovia!

Me lembro de que a chuva caia
lá fora
sem parar,
e seu surdo rumor até parecia
um sussurro de quem chora
ou uma cantiga de embalar...

Me lembro de que tu chegaste
inquieta, ansiosa,
mas logo te aconchegaste
em meus braços, quietinha...
(...enroladinha como uma gatinha...)

E eu quase não sabia que fazer:
se de encontro ao meu peito te deixava adormecer...
se te mantinha acordada, para seres minha...

Me lembro que chovia, chovia sem parar...
E que a chuva caía a turvar as vidraças
anoitecendo o quarto em tons baços...
Me lembro de que te sentia
aconchegada em meus braços...
Me lembro de que chovia...
E de que era bom porque chovia,
e porque estavas alí, e porque eu te queria...
Sim, me lembro que tudo era bom...
E que a chuva caía, caía,
monótona, sem parar,
naquele mesmo tom...

Naquela tarde, amor, como chovia!

Agora, quando longe de ti, nem sou mais eu
em minha melancolia,
não posso mais ouvir a chuva cair
que não fique a lembrar tudo que aconteceu
naquele dia...

Naquele dia
enquanto chovia...

Poema de JG  de Araujo Jorge,
extraído  do  livro A SÓS... , 1958 )

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Paradoxo

 Paradoxo


A dor que abate, e punge, e nos tortura,
que julgamos às vezes não ter cura
e o destino nos deu e nos impôs,
é pequenina, é bem menor, e até
já não é dor talvez, dor já não é
dividida por dois.

A alegria que às vezes num segundo
nos dá desejos de abraçar o mundo,
e nos põe tristes, sem querer, depois,
aumenta, cresce, e bem maior se faz,
já não é alegria, é muito mais
dividida por dois.

Estranha essa aritmética da vida,
nem parece ciência, parece arte;
compreendo a dor menor, se dividida,
não entendo é aumentar nossa alegria
se essa mesma alegria
se reparte.

( Poema de JG de Araujo Jorge
do livro- Festa de Imagens – 1948)

Missão

 Missão


Meus versos terão cumprido a sua missão
se puderem ser pedra e areia
servirem de barricada.

Se puderem ser o hino, quando o desânimo
se levantar como a poeira dos escombros.

Se puderem permanecer no alto, como a bandeira
rasgada e irreconhecível, mas tremulando.

Terão cumprido a sua missão
se na hora em que precisarem deles
não negarem fogo como a boa arma,
se outros puderem ouvi-lo, como o esperanto,
depois da vitória do homem e da vitória do povo.

(Poesia de JG de Araujo Jorge
do livro Estrela da terra - 1947)

Soneto à tua volta

 Soneto à tua volta


Voltaste, meu amor... enfim voltaste!
Como fez frio aqui sem teu carinho....
A flor de outrora refloresce na haste
que pendia sem vida em meu caminho.

Obrigado... Eu vivia tão sozinho...
Que infinita alegria, e que contraste!
-Volta a antiga embriaguez porque voltaste
e é doce o amor, porque é mais velho o vinho!

Voltaste... E dou-te logo este poema
simples e humilde repetindo um tema
da alma humana esgotada e envelhecida...

Mil poetas outras voltas celebraram,
mas, que importa? – se tantas já voltaram
só tu voltaste para a minha vida...


(Poema de JG de Araujo Jorge extraído do livro
"Eterno Motivo" " - Prêmio Raul de Leoni,
da Academia Carioca de Letras - 1943)

 Angústia

Há uma estranha beleza na noite ! Há uma estranha beleza !
Oh, a transcendente poesia
que verso algum traduz...

A via-láctea, inteiramente acesa
parece a fotografia
de um tufão de luz !

- Quem seria,
quem seria
que pregou lá no céu aquela imensa cruz?

Que infinita serenidade...
Que infinita serenidade misteriosa
nesse infinito azul dos céus e em tudo mais:
nos telhados, nas ruas, na cidade...

( Só os gatos gritam na noite silenciosa
sensualíssimos ais !)

Meu Deus, que noite calma... E aquela trepadeira
feminina e ligeira
veio abrir bem na minha janela
uma flor - como uma boca rubra e bela
que não terei...

- E ainda sinto nos lábios um travo nauseante
do amor que faz bem pouco, há apenas um instante,
paguei...

E o céu azul assim... E essa serenidade!
Silêncio- A noite, o luar ... Tão claro o luar lá fora...
Juraria que há alguém, não sei onde que chora...

Oh, a angústia invencível que me prostra
invade
e me devorar ...

(Poema de JG de Araujo Jorge, Cânticos – 1949)

 Essa...


Essa, que hoje se entrega aos meus braços escrava
olhos tontos do amor de que aos poucos me farto,
ontem... era a mulher ideal que eu procurava
que enchia a minha insônia a rondar o meu quarto...

Essa, que ao meu olhar parado e indiferente
há pouco se despiu - divinamente nua -,
já me ouviu murmurar em êxtase, fremente:
Sou teu! ... E já me disse, a delirar: - Sou tua !

Essa, que encheu meus sonhos, meus receios vãos,
num tempo em que eram vãos meus sonhos, meus receios,
já transbordou de vida a ânsia das minhas mãos
com a beleza estonteante e morna dos seus seios !

Essa, que se vestiu... que saiu dos meus braços
e se foi... - para vir, quem sabe? uma outra vez.
- segui-a... e eu era a sombra dos seus próprios passos..
- amei-a... e eu era um louco quando a amei talvez...

Hoje, seu corpo é um livro aberto aos meus sentidos
já não guarda as surpresas de antes para mim...
(
Não importa se há livros muita vez relidos
importa... é que afinal, todos eles têm fim...

Essa, a quem julguei Ter tanta afeição sincera
e hoje não enche mais a minha solidão,
simboliza a mulher que sempre a gente espera...
mas que chega, e se vai... como todas vão...

(Poema de JG de Araujo Jorge,
do livro - Amo – 1939)


Exaltação do amor

 Exaltação do amor


Sofro, bem sei... Mas se preciso fôr
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrêla alcançar... colher a flor...

Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor... com o meu Amor!

Nada me impedirá que seja meu
se é fogo que em meu peito se acendeu
e lavra, e cresce, e me consome o Ser...

Deus o pôs... Ninguém mais há de dispor!

Se êsse amor não puder ser meu viver
há de ser meu para eu morrer de Amor!

(Poema de JG de Araujo Jorge
do livro -Bazar de Ritmos- 1935)

domingo, 1 de agosto de 2021

" Quadra "

 " Quadra "


Paradoxal, asseguro,
pode ser que esteja errado...
Que pode haver de mais puro
que a humildade do pecado?

" Oh! A Chuva Chegou ! "

 " Oh! A Chuva Chegou ! "


Oh! a chuva chegou! Há que tempo
esperava que a chuva chegasse.
Oh! a terra era um brado de angustia!
Oh! o céu que tristeza, meu Deus!

As estradas andavam às cegas
e os riachos mostravam seus ossos,
duras pedras roliças, polidas,
onde as águas minguavam chorando.

Oh! a chuva chegou! Eis a chuva
a cair pelo espaço e a cantar.
Canta, chuva, que a terra te escuta
e parece dançar de alegria.

Canta, chuva, que as arvores todas
se sacodem felizes, lavando
nessa tua cantiga molhada
suas penas cinzentas de pó.

Oh! a chuva chegou, que beleza!
Há seis meses que a chuva não vinha
e eu que tinha as raízes enxutas
esperava esse dia chegar!


Ougo a chuva cantando, ouço a chuva
e por isso me pus a cantar,
tudo canta molhado, na chuva! ,
tudo canta, molhado, no olhar!

Oh! a chuva chegou! Que alegria!
Oh! a chuva chegou! Vou cantar!


"Marinha nº. 2"

 "Marinha nº. 2"


Em teus braços, sou como um barco
desarvorado,
por roteiros perdidos...

E o meu desejo é este vento
que levanta procelas
em teus sentidos...
        
Ah! Morrer assim
como um marinheiro,
e mergulhar, e me afogar...
... e encontrar meu destino e meu fim
em teu corpo de mar...

" Estranho Instrumento "

 " Estranho Instrumento "


Meu coração, como uma harpa submersa,
jaz no fundo de que ignorado oceano?

Que estranhas correntes arrancam de suas cordas
sons líquidos e redondos que se perdem côncavos
antes de chegar à tona?...

Que peixes cegos tiram notas imprevistas
e se vão tontos na ondulação do canto que despertam
entre espectros calcários e verdes algas trementes?

Que músicas borbulhantes se agitam, nascidas
de que movimentos sem origens, incognoscíveis,
marcando um tempo morto e imensurável?

Meu coração é como uma harpa submersa,
sem dedos, sem cordas, tocando sozinha
uma canção que desvenda os mistérios da vida
para os peixes ouvirem.

" Edelweiss "

 " Edelweiss "


Contenta-te com o que já tens, se é tudo o que posso dar-te,
não queiras o coração, - puro Edelweiss das alturas ;
que há muito perdi num sonho que escalou a montanha
e não voltou.

Não percebeste ainda no desespero com que me enraízo
que és a terra onde piso e me vingo
do sonho inacessível.

E depois, - oh! a eterna insatisfação, - não te lastimes!
Se atingisses o sonho, talvez o achasse tão pouco
na palma de tua mão.

" Canto de Ontem "

 " Canto de Ontem "


Vamos, põe teu braço no meu braço, vamos recordar
os velhos tempos
do nosso amor.
Passeávamos assim, e que frias eram as tuas mãos
no momento do encontro,
e que dóceis teus lábios depois da rendição.

Muitas vezes perdi-me em teus lábios e não soube voltar.
Que era o mundo senão um punhado de perspectivas
que saíam do ponto coração
e se perdiam nos teus olhos?

Tanta cousa esperamos e alguma cousa colhemos
mas que triste, amor, este todo-o-dia matando
o que esperávamos jamais ser tocado pelo tempo.

Tu me queres ainda, eu sei que te aninhas, por habito ou por frio
junto ao meu corpo, e esperas.

E eu te quero ainda, muito mais pelo que deixaste
nas raízes mergulhadas
e pelo que representas nas nuvens que se acumulam
do que pelo momento de tédio e ternura, elementos
do nosso coquetel cotidiano...

Vamos, põe teu braço no meu braço, como antigamente,
entrega-me docilmente os teus lábios, e pensa
que eu te beijo há mil anos, num tempo em que seremos
sempre os mesmos
e o nosso amor imortal.


Hoje estou triste

  Hoje estou triste Amor... Hoje estou triste... Nesses dias a vida de repente se reduz a um punhado de inúteis fantasias... ... Sou uma pro...