quinta-feira, 29 de julho de 2021

Razões de Amor... II

 Razões de Amor... II 


Gosto de ti desesperadamente:
dos teus cabelos de tarde onde mergulho o rosto,
dos teus olhos de remanso onde me morro e descanso;
dos teus seios de ambrósias, brancos manjares trementes
com dois vermelhos morangos para as minhas alegrias;

de teu ventre - uma enseada - porto sem cais e sem mar -
branca areia à espera da onda que em vaivém vai se espraiar;
de teu quadris, instrumento de tantas curvas, convexo,
de tuas coxas que lembram as brancas asas do sexo;

- do teu corpo só de alvuras - das infinitas ternuras
de tuas mãos, que são ninhos de aconchegos e carinhos,
mãos angorás, que parecem que só de carícias tecem
esses desejos da gente...

Gosto de ti desesperadamente;
gosto de ti, toda, inteira nua, nua, bela, bela,
dos teus cabelos de tarde aos teus pés de Cinderela,
(há dois pássaros inquietos em teus pequeninos pés)
- gosto de ti, feiticeira, tal como tu és...

" Ameaça "

  " Ameaça "



Os teus olhos estão cheios de umidade
meus olhos sentem frio quando encontram os teus...

Se aperto tua mão, sinto-a muda, distraída
como se estivesse sozinha,
-ah! Nunca pudeste compreender
a íntima razão por que os meus dedos trêmulos
procuram demorá-la um pouco mais na minha!

Os teus lábios me falam de amor
como se tratassem
de algum tema banal sem emoção, nem cor...
Por isso, não compreendes que os meus lábios tratem
de um tema banal qualquer
te falando de amor!

As vezes, receio
que a tua indiferença mate o meu orgulho
e a paixão que domino a custo, se liberte
louca!
-e eu te tome em meus braços como alucinado
e deixando o amor-próprio ferido de lado
numa febre cruel machuque a tua boca!

Não importa, depois, que te revoltes
e até me esbofeteies!
Prefiro esse ódio, sim, eu quero que me odeies!
Quero que ao me encontrares, os teus olhos brilhem
mais, ardendo contra mim
de indignação!

Quero tudo de ti! Não quero indiferença
que me castiga assim, e é martírio
e é doença
e faz da minha angústia uma alucinação

E guarda o que te digo
neste instante:

-eu nasci para ser teu inimigo
ou teu amante
mas nunca um teu amigo
ou teu irmão!

Está, pois, como vês, nas tuas mãos
escolher
o que queres que eu seja
ou o que terei de ser!


 
( Poema de J. G . de  Araujo Jorge
do livro " AMO ! " -  1938 ) 

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"Alegria!"

 "Alegria!"


Há alegria no sol que num triunfal rompante
como um broto de luz que rompesse as entranhas
da terra, - surge além pelas sombras, distante,
a incendiar como um louco a encosta das montanhas!

Há alegria  no mar onde as conchas apanhas!
Na noite mansa e azul, silenciosa e brilhante,
e nas nuvens que no ar tomam formas estranhas,
nas mãos ágeis do vento irrequieto e inconstante!

Há alegria nas ruas, nas flores, - nas aves
que enchem ramos e céus de melodias suaves,
e em meus olhos tristonhos refletindo os teus...

Alegria não há, no entanto, mais completa
que essa que canta e ri no coração de um Poeta
quando ao findar de um poema se imagina Deus!



( Poema de J. G. de Araujo Jorge, extraído
do livro " AMO ! " - 1a edição - 1938 )

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A Vida

  A  Vida  "


  
I
"...Mudarás, todos mudam, e os espinhos
com surpresa verás por todo lado,
- são assim nesta vida os seus caminhos
desde que o homem no mundo tem andado...

Não hás de ser o eterno namorado
com as mãos e os lábios cheios de carinho,
- hoje, juntos os dois... tudo encantado!
- amanhã, tudo triste... os dois sozinhos!...

E sentindo o teu braço então vazio,
abatido verás que não resistes
à inclemência do tempo úmido e frio!

Rolarás por escarpas e barrancos:
sobre o epitáfio dos teus olhos tristes
trazendo a campa dos cabelos brancos!"

I I

" . . Tem sido assim e assim será... Mais tarde
o que hoje pensas chamarás: - quimera!
E esse esplendor que nos teus olhos arde,
será a visão de extinta primavera...

Escondido à .traição, como uma fera,
bem em silêncio, e sem fazer alarde,
o Destino que é mau e que é covarde,
naquela sombra adiante já te espera!   

E num requinte de perversidade
faz de cada ilusão, de cada sonho,
a ruína de uma dor... e uma saudade...

E se voltares, notarás então
desesperado, ao teu olhar tristonho
que em vão sonhaste... e que viveste em vão!..."

I I I
"... A vida é assim, segue e verás, - a vida
é um dia de esperança, um longo poente
de incertezas cruéis, e finalmente
a grande noite estranha e dolorida...

Hoje o sol, hoje a luz, hoje contente
a estrada a percorrer suave e florida...
- amanhã, pela sombra, inutilmente
outra sombra a vagar, triste e perdida...

A vida é assim, é um dia de esperança
uma réstia de luz entre dois ramos
que a noite envolve cedo, sem tardança...

E enquanto as sombras chegam, nós, ao vê-las,
ainda somos felizes e encontramos
a saudade infinita das estrelas!..."

IV
"...A vida é assim, uma ânsia... feito a vaga
que se ergue e rola a espumejar na areia,
- apor esse bem que a tua mão semeia
espera o mal que ainda terás por paga!

A essa hora boa que te agrada e enleia
sucede uma outra torturante e aziaga,
- a vida é assim... um canto de sereia
que à morte nos convida, e nos afaga...

O teu sonho melhor bem pouco dura,
e há sempre "um amanhã" cheio de dor
para "um hoje" nem sempre de ventura...

Toma entre as mãos o búzio da alegria
e surpreso verás que no interior
canta profunda e imensa nostalgia!..."

V
Isso tudo nos dizem, - entretanto
nós dois seguimos braços dados,
creio que se tu sabes que te adore tanto
do que ouviste talvez não tens receio...

A vida, - é o nosso amor, o nosso encanto!
Nem a podemos mais parar no meio...
Chorar? - bem sei que choras, mas teu pranto
é a alegria que canta no teu seio...

O mundo é bom e nós o cremos, basta!
E se um amor tão grande nos enleva
e pela vida unidos nos arrasta,

- que eu te abrace e te apoies sempre em mim,
e desafiando o mundo envolto em treva
sigamos juntos para um mesmo fim !
    

(Poema de JG de Araujo Jorge extraído
do livro " AMO ! " 1a edição 1938 )

A Lenda do Poente

 " A Lenda do Poente "


  I
   O Dia
Velho senhor branco
sai de manhãzinha dos braços da escrava negra
e vai se vingar de sua fraqueza e de sua inferioridade
nem bem pulou do leito,
castigando com o chicote de fogo do Sol
o dorso negro dos irmãos da escrava negra, no eito!

Mas o ódio da Noite
e o fastio da Noite, a sua escrava negra,
vão morrendo,
e o desejo vai voltando... renascendo....

E quando à tarde, de novo, o dia, velho senhor branco,
vê a Noite, a sua escrava negra,
saindo do banho
com duas gotas brilhantes como estrelas
no bico dos seios,
e duas estrelas como gotas faiscantes
no olhar,
o Dia, velho senhor branco,
quer se deitar...

E então, a correr para a Noite que sobe e tropeça
nas montanhas, além,
o Dia, velho senhor branco,
a enlaçar o seu corpo tropeça também
e cai!...
....

E o poente é um: ai !

I I
O Dia
Velho senhor branco
chamou a Noite a sua escrava negra
e possuiu-a sobre o leito duro da senzala
das montanhas...

O Dia
Velho senhor mau
na carne rija e negra da Noite sua escrava
tatuou com a ponta de fogo das estrelas
o seu sinal de posse !

Desde esse dia
quando o senhor branco chama a Noite, a sua escrava,
a negra vem vindo
vem vindo
humildemente,
fica logo toda nua, vai logo se despindo
e se deita sobre as montanhas para a posse do Sol !

E a negra cerra as pálpebras negras de longos cílios negros
e abraça o corpo do senhor branco com seus braços negros
e na hora do êxtase do poente
recebe de repente,
a fecundação luminosa dos astros
no espasmo das nebulosas !
..............................................................

O senhor branco nunca pode compreender
aquela estrela brilhante
muito brilhante
da madrugada,
que deixou nos olhos embaciados da escrava negra
como uma lágrima
parada...



(Poema de JG de Araujo Jorge extraído
do livro " AMO ! " 1a edição 1938 )


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Oito Poemetos

 

Oito Poemetos

 

 

Alegria

Há um canto de pássaros no raio de luz
que pousou na janela.



Brinde


Sirvamos na taça

a palavra e a música



Canto


Um pássaro pousou na palavra e deu asas

ao coração...



Carícia


Foram tuas mãos... ou apenas o sol que saiu de uma nuvem

para tocar-me...



Esperança


A face impassível e lúcida do espelho

ainda se turva...



Inquietação


Não são as ondas, não são os ventos...

Nos rios subterrâneos de meu sangue

há velas brancas, desesperadas...



Pessimismo


Há estrelas no céu, há vermes na terra,

há algas no mar...

Só eu nasci homem...



Sensual


Eram dois bicos, como dois bicos de aves,

só que tremiam sob o teu vestido...


 

Oh! Não será isto a alegria?

 

Oh! Não será isto a alegria?


Numa hora calma, sentar-se a sós, tomar um livro de páginas fechadas
cujo conteúdo pressentimos, pelo autor, nosso velho conhecido,
e abrirmos página por página, levantando aqui e ali
sem nos contermos, curiosos, uma palavra, como um véu sobre a beleza ignorada,
a beleza que desponta, como o sol que irradia.

Oh! não será isto a alegria?

Receber uma carta, uma carta simples, de uma desconhecida

num, domingo de manhã, e antes do jornal, abri-la conjecturando,
e encontrar uma alma irmã, ardente e solitária
que nos faz confidências e amplia nossos limites
numa imprevista harmonia.

Oh! não será isto a alegria?

Esperar alguma noite, um amigo que não perturbará a nossa intimidade
que beberá conosco o mesmo vinho, ouvirá a mesma música
cuja cadeira o destino colocou ao nosso lado na mesma mesa do passado
com quem partilharemos nossos planos e nossas esperanças
e a quem gostaríamos de chamar de irmão
numa hora de Paz ou de agonia...

Oh! não será isto a alegria?

Despertar sobressaltado, voltar o rosto e encontrar
ao seu lado, sereno e confiante, o rosto da companheira que dorme,
pousar nossa mão sobre a sua, e adormecer sem remorsos
numa profunda poesia..

Oh! não será isto a alegria?

Trazer o corpo vencido, os nervos doídos, exaustos,
e aberta a porta, encontrar as coisas nos mesmos lugares:
nossa cama, a nossa mesa, os nossos livros, a nossa companheira,
tudo no mesmo lugar, em paz, fielmente à nossa espera
todo dia...

Oh! não será isto a alegria?

Manhã clara de primavera, calção de banho, o sol no peito,
sem dívidas e pecados, invejas ou remorsos,
encher de ar os pulmões diante da praia iluminada,
e atirarmo-nos de encontro às ondas e nadar contra o horizonte
de um novo dia. . .

Oh! não será isto a alegria?


 

Meu céu interior

 

Meu céu interior

 

 

Se esses teus olhos, no meu livro, imersos,
encontrarem diversas emoções,

- não tentes decifrar... – mil corações

nós os temos num só, todos diversos...

 

Os meus poemas aqui, vivem dispersos,
como as estrelas... e as constelações...

- no céu das minhas íntimas visões,

no “meu céu interior...” cheio de versos.

 

Não procures o poeta compreender...
- Os versos que umas cousas nos desnudam,

Outras cousas, ocultam, sem querer...

 

Uns, são felizes... Outros, ao contrário...
- No rosário da vida, as contas mudam,

e os versos são contas de um rosário!...


 

Gata Angorá

 

Gata Angorá


Sobre a almofada rica e em veludo estofada
caprichosa e indolente como uma odalisca
ela estira seu corpo de pelúcia, - e risca
um estranho bordado ao centro da almofada...

Mal eu chego, ela vem... (nunca a encontrei arisca)
- sempre essa ar de amorosa; a cauda abandonada
como uma pluma solta, pelo chão deixada,
e o olhar, feito uma brasa acesa que faísca!

Mal eu chego, ela vem... lânguida, preguiçosa,
Roçar pelos meus pés a pelúcia prata,
como a implorar carícias, tímida e medrosa...

E tem tal expressão, e um tal jeito qualquer,
- que às vezes, chego mesmo a pensar que essa gata
traz no corpo escondida uma alma de mulher!


 

CIGARRA MORTA

 

Cigarra morta


Vês... É uma cigarra morta, assas douradas
completamente roídas e estragadas,
levada pelas formigas...

Olhaste-me e eu te pude compreender...

Não diga nada, meu irmão, não digas,
- os poetas... as cigarras
não deviam morrer...

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Estudo N.º 8

 

Estudo N.º 8



Olho a plantinha verde no vaso, tão infeliz,

no seu trágico destino decorativo.


Olho as árvores, longe, no morro, desenvoltas,

assustadas com a cidade, ainda livres.


Vou colocar no vaso flores de papel.

Essa

 

Essa


Essa, que hoje se entrega aos meus braços escrava

olhos tontos de amor que aos poucos me farto,

ontem... era a mulher ideal que eu procurava

que enchia a minha insônia a rondar meu quarto...


Essa, que ao meu olhar parado e indiferente

há pouco se despiu - divinamente nua -,

já me ouviu murmurar em êxtase fremente:

- Sou teu!... E já me disse, a delirar: - Sou tua!


Essa, que encheu meus sonhos, meus receios vãos,

num tempo que eram vãos meus sonhos, meus receios,

já transbordou de vida a ânsia das minhas mãos

com a beleza estonteante e morna de seus seios!


Essa, que se vestiu... que saiu dos meus braços

e se foi... - para vir, quem sabe? uma outra vez,

- segui-a... e eu era a sombra de seus próprios passos...

amei-a... e eu era um louco quando a amei talvez...


Hoje, seu corpo é um livro aberto aos meus sentido

já não guarda as surpresas de antes para mim...

( não importa se há livros muitas vezes relidos

importa... que afinal, todos eles tem fim)


Essa, a que julguei ter tanta afeição sincera

e hoje não enche mais a minha solidão,

simboliza a mulher que sempre a gente espera...

mas que chega e se vai como todas se vão


Esperança

 

Esperança


Ainda resta afinal intacto o coração

e puro o sonho que como a flor singular e misteriosa

fizeste nascer da pedra lisa.


E ainda podemos como os marinheiros nos mirantes

colocar a mão sobre os olhos para atingir a distancia maior

dos horizontes.


Quando há coração e há caminhos

ainda resta a esperança para o amor.

Enquanto

 

Enquanto

  

Enquanto olhares para a companheira que te ajuda na luta

e a morte te amedrontar, mais pelo destino dela

que pelo teu próprio.


Enquanto vires teus filhos brincando e te lembrares que o seu futuro

depende do cada dia do teu esforço

e que se fraquejares

talvez não cheguem mesmo a ser homens.


Enquanto temeres a doença como um espantalho, e vires no remédio

um pedaço de pão a menos em tua mesa;

e sentires a segurança do teu trabalho muitas vezes

condicionada à renúncia de tua própria personalidade.


Enquanto tiveres por distração as amargas preocupações

de tua vida cotidiana, entre o choro de um filho

e o aumento do feijão.


Enquanto não perceberes teu presente, renegares teu passado

e receares teu futuro

como quem recomeça a vida a cada dia;

enquanto não puderes chegar mais tarde ao teu trabalho

até com justificado motivo

sem que te humilhe o olhar do chefe ou a palavra do patrão,


- não é tua a tua vida, não é teu, o teu destino,

ou por outras palavras: não és livre, irmão.


Desejos... na manhã de Sol

 


Desejos... na manhã de Sol


Na manhã de sol

bela e serena,

depois de um dia de chuva

depois que à noite ventou,

- tive desejos de apanhar aquela mulher morena

que passou...


Devia ter na boca rubra

um gosto de uva

um gosto bom de vinho,

e quando ela me olhou,

- pensei na fruta madura que o vento da noite derrubou

à margem do caminho...


Ah! o garoto que fui!  Ah! o garoto que sou!

Na inquietação da minha vida,

nas voltas do meu caminho,

sempre a vontade incontida

de desejar as frutas do quintal vizinho!


Na manhã de sol

bela e serena,

- depois de um dia de chuva,

- ah! o garoto que sou!

tive desejos de apanhar aquela mulher morena

que passou!

Dedicatória...

 

Dedicatória...
 (1944)



Dedico  este  livro  aos  irmãos  da   América   e  do   Mundo,
não importa que cruzem as pernas nos “pagodes” exóticos

ou sigam a palavra de Confúcio no templo de papel e de bambu;

que subam aos minaretes, se curvem beijando a terra,

ou simplesmente se ajoelhem no palácio de vitrais e incensos;

que dispam a palavra de Cristo de púrpuras e de ouros,

ou que sigam sem Deus, a procurá-lo nos livros...


Dedico este meu livro a todos os irmãos da América e do Mundo,

negros  ou  brancos,  amarelos  ou  vermelhos,  azuis   ou  roxos,

altos ou baixos, gordos ou magros, louros ou castanhos;

nos que ainda não morreram e aos que ainda poderão vir;

aos das planícies e dos campos, aos das florestas e das montanhas,

aos dos gelos e dos desertos,

aos das aldeias e das cidades,

aos dos faróis e aos da solidão,

aos dos navios, dos aviões ou dos subterrâneos,

a todos os homens, sem a menor distinção,

basta que creiam ainda na Vida e em nós mesmos.


Por isso escrevi este livro

como se abrisse uma veia, para o sangue aliviar o coração;

como se colhesse um fruto para o desejo inábil;

como se trouxesse água na mão, para a boca sedenta e empoeirada;

como se escrevesse sem palavras, e pudesse chegar a todos os ouvidos

e a todas as consciências

sem tradução...

Por isso escrevi este livro. Como quem acende uma lanterna

para descobrir que não está perdido...


Não se admirem irmãos, se as suas letras tiverem a cor do meu sangue,

porque elas são o meu sangue que vos ofereço,

são uma doação que faço aos que ainda crêem que vivem,

mesmo aos que não poderão se refazer,

porque nunca sabemos os que resistirão...

               

Que este livro, pois, possa ao menos ser útil como o sangue,

como o ar, ou como o pão,

e possa prolongar algumas esperanças

confortar alguns momentos finais

e salvar alguns desesperos...


Que ao menos, chegue a tempo, para alguns...


Convalescença


 

Toda vez que escrevo convalesço, estou nascendo
outra vez dentro de mim.

Convalescença
de uma longa enfermidade em que fiquei paralítico
dentro de mim mesmo.

E de repente, posso andar, posso sair, - que misterioso médico –
indicou-me a liberdade e reconciliou-me com a claridade da manhã
e os caminhos que são sinuosos convites acenando?


Estou descendo invisíveis degraus de uma branca escadaria
que dá para um grande parque onde as árvores e os homens dialogam
e brincam como as crianças,
e fazem roda em torno das heras de velhos poetas
escondendo faunos
nas pupilas de bronze.


A criação é uma convalescença, uma janela de hospital que se abre,
dois braços que respiram abarcando o espaço
e dois olhos que começam a cantar como os pássaros


Estes cantos são apenas o ritmo elementar da respiração desopressa
o latejar do sangue nas veias, que arremeda
as águas que estão rolando em algum lugar do mistério.

Fora da arte e da poesia
a vida é uma longa enfermidade, um tédio branco
de hospital, sem esperança.


 

DUAS MÁQUINAS

 

Duas máquinas


Altas horas, no silêncio da minha rua sem ônibus

sem bondes,

ouço distante uma máquina que escreve.


Será sofrimento, será alegria, será apenas trabalho

esta música que vem de dentro da noite

de um apartamento, em que andar?


Paro de escrever e escuto, e escuto o seu bater nervoso

telegrafando ao meu pensamento.,

como se respondesse, num misterioso código, às minhas mensagens.


Que coisas dirão aquelas teclas batendo, batendo ininterruptamente

como um coração assustado?

A quem se dirigirão, nessa ansiedade estranha de  S. O. Ss. emitidos

para vazio mar, sem resposta e esperança?


No silêncio da noite, altas horas, bato as teclas da minha máquina,

como quem responde a alguma mensagem,

como quem dá esperança a um apelo ignorado.


No mistério deste diálogo sem palavras, inarticulado,

- fiandeiras misteriosas estão tecendo poesia as duas máquinas,

estão semeando, estão enchendo à noite de sugestões,

estão vivendo.


Que importa se seus S. O. Ss. se perderão na noite alta e vazia,

onde navegam como cargueiros, pesados sonos burgueses.

Que importa? se elas fazem poesia.


 

terça-feira, 27 de julho de 2021

BESOURO




 

Besouro

Bato as asas, quero fugir como um besouro

estonteado de luz,

à procura do céu incendiado de ouro

que o seduz!


Esvoaço, tonteio, em vão... Em vão minha alma esvoaça!

Ouço um zumbido surdo, atordoante, crescendo,

das minhas asas sôfregas batendo

numa invisível vidraça!


Lá fora é tudo tão verde! Lá fora a terra é tão bela!

Tudo chama e convida

para a vida,

- e nem uma alma bondosa e distraída

vem abrir a janela!


 

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Prelúdio N°. 9

 

Prelúdio N°. 9


" Prelúdio N°. 9  "
( A eleita )


Que importa, se não és?
Foste e serás a eleita,
a lembrança que foi, e há de ser onde eu for...
Que haja pois, se preciso, a renúncia perfeita
se não pode afinal ser perfeito esse amor...

" Companhia "


 " Companhia "



Afinal tenho estes versos
com quem posso conversar e falar de ti,
sem que ninguém perceba,
sem precisar partilhar-te.

Afinal, tenho a poesia, para confessar-me,
e para te encontrar nas horas
em que a solidão
me amedronta.

" Poemeto Nº 3 "

 

" Poemeto Nº 3 "




" Poemeto Nº 3 "

  
Não sei se é ciúme,
sei que às vezes me perguntas
a história de meus poemas,
estes poemas todos que encontraste
e que inventaram amor antes de ti.

Não te preocupes, não.
Hoje sei que não chegaram ao sonho.
Tudo vida que os sentidos imaginaram...

... Até os sentidos tem imaginação...

( Poema de JG de Araujo Jorge
do livro" A  Sós..." 1a ed. 1958 )

ALGUM SENTIDO




 "Algum Sentido "


Não falo das torres altas, das torres engradeadas,
isolado nas alturas, olhando tudo distante,
sem a exuberância, sem os detalhes insignificantes
que são as grandezas trágicas da vida...

Não estou longe, não sou reflexo, não sou eco,
não sou um som perdido que ninguém sabe a origem...

Sou a boca que grita, a boca que pronuncia o som,
a mão que se eleva, não o gesto irreconhecível,
o coração que bateu, não a pulsação anônima,
a alma que luta, não o espírito que se acovardou
num canto introvertido...

Não falo do meu quarto fechado onde me tranquei a sete chaves
para não ouvir a algazarra dos tempos,
e a agitação das ruas,
nem receio descer os degraus que me levam à multidão
porque em verdade a nossa revolta não tem degraus!

Não temo as suas explosões porque seus estilhaços nunca me ferirão
nem atingirão nunca os que tiverem coragem de ser justos
e os que não se atropelam com a própria consciência...

Falo das ruas e das praças, estou perdido no meio da multidão,
não tenho medo porque eu sou ela e porque ela está em mim,
seu corpo fala pela minha voz na hora da compreensão
sinto a responsabilidade de falar em nome de seu destino...

Não me fechei na torre alta, isolado e indiferente,
meus pés estão no chão sei que
todas as torres altas, ante a avalanche dos tempos
se destruirão...
    
( Poema de JG de Araujo Jorge do livro
- Antologia Poética Vol. II - 1a ed. 1978 )


CANTO EFÊMERO

 

CANTO EFÊMERO


" Canto Efêmero "

   
Feliz no mundo eu só!... Ninguém mais é feliz!
Ninguém mais é feliz!... Eu só, sorrio e canto!
Enfim o teu amor!... Quanta coisa! Quem diz,
- quem poderia crer que eu merecesse tanto!

Esplendor! a paisagem mudou por encanto!
No negro da minha alma há rabiscos de giz
traçando ante meus olhos trêmulos de espanto.
- "Feliz no mundo, eu só !... Ninguém mais é feliz!"

Certo do teu amor, tudo ao redor se anima,
em ouro se transforma a fuligem do pó
e a minha alma, a beleza das coisas sublima!

Enfim o teu amor!... E o teu amor primeiro!
Meu Deus! eu sou feliz!... Feliz no mundo eu só!
Ninguém mais é feliz, ninguém!... no mundo inteiro!

( Poema de JG de Araujo Jorge - do livro
Eterno Motivo; -  Prêmio Raul de Leoni,
da Academia Carioca de Letras - 1943 )CA

AUTO-RETRATO


 " Auto-Retrato "


A fronte larga como larga pista
para as idéias levantarem vôo...
Os olhos verdes: - sinal sempre aberto
para a vida passar, sem obstáculos...

E estas narinas dilatadas, como
se fossem feitas para grandes haustos
saborear o mais simples dos prazeres:
- o de encher os pulmões... e respirar!

Um coração desordenado e boêmio,
e um sentimento de justiça, intenso,
como traço marcante do caráter.

A humildade de ser, para os pequenos,
o orgulho de enfrentar os poderosos
e a alegria de amar sem ter limites!



( Poema de JG de Araujo Jorge do livro- Antologia Poética Vol. II -  1a ed. 1978 ) 

O CANTO DA TERRA - DEDICATÓRIA

 

O CANTO DA TERRA

" Dedicatória "
                              
   (1944)

Dedico  este  livro  aos  irmãos  da   América   e  do   Mundo,
não importa que cruzem as pernas nos "pagodes" exóticos
ou sigam a palavra de Confúcio no templo de papel e de bambu;
que subam aos minaretes, se curvem beijando a terra,
ou simplesmente se ajoelhem no palácio de vitrais e incensos;
que dispam a palavra de Cristo de púrpuras e de ouros,
ou que sigam sem Deus, a procurá-lo nos livros...

Dedico este meu livro a todos os irmãos da América e do Mundo,
negros  ou  brancos,  amarelos  ou  vermelhos,  azuis   ou  roxos,
altos ou baixos, gordos ou magros, louros ou castanhos;
nos que ainda não morreram e aos que ainda poderão vir;
aos das planícies e dos campos, aos das florestas e das montanhas,
aos dos gelos e dos desertos,
aos das aldeias e das cidades,
aos dos faróis e aos da solidão,
aos dos navios, dos aviões ou dos subterrâneos,
a todos os homens, sem a menor distinção,
basta que creiam ainda na Vida e em nós mesmos.

Por isso escrevi este livro
como se abrisse uma veia, para o sangue aliviar o coração;
como se colhesse um fruto para o desejo inábil;
como se trouxesse água na mão, para a boca sedenta e empoeirada;
como se escrevesse sem palavras, e pudesse chegar a todos os ouvidos
e a todas as consciências
sem tradução...
Por isso escrevi este livro. Como quem acende uma lanterna
para descobrir que não está perdido...

Não se admirem irmãos, se as suas letras tiverem a cor do meu sangue,
porque elas são o meu sangue que vos ofereço,
são uma doação que faço aos que ainda crêem que vivem,
mesmo aos que não poderão se refazer,
porque nunca sabemos os que resistirão...
              
Que este livro, pois, possa ao menos ser útil como o sangue,
como o ar, ou como o pão,
e possa prolongar algumas esperanças
confortar alguns momentos finais
e salvar alguns desesperos...

Que ao menos, chegue a tempo, para alguns...

( Poema de JG de Araujo Jorge - do livro
" O Canto da Terra " 1a edição - 1945 )

Hoje estou triste

  Hoje estou triste Amor... Hoje estou triste... Nesses dias a vida de repente se reduz a um punhado de inúteis fantasias... ... Sou uma pro...