quinta-feira, 29 de julho de 2021

A Lenda do Poente

 " A Lenda do Poente "


  I
   O Dia
Velho senhor branco
sai de manhãzinha dos braços da escrava negra
e vai se vingar de sua fraqueza e de sua inferioridade
nem bem pulou do leito,
castigando com o chicote de fogo do Sol
o dorso negro dos irmãos da escrava negra, no eito!

Mas o ódio da Noite
e o fastio da Noite, a sua escrava negra,
vão morrendo,
e o desejo vai voltando... renascendo....

E quando à tarde, de novo, o dia, velho senhor branco,
vê a Noite, a sua escrava negra,
saindo do banho
com duas gotas brilhantes como estrelas
no bico dos seios,
e duas estrelas como gotas faiscantes
no olhar,
o Dia, velho senhor branco,
quer se deitar...

E então, a correr para a Noite que sobe e tropeça
nas montanhas, além,
o Dia, velho senhor branco,
a enlaçar o seu corpo tropeça também
e cai!...
....

E o poente é um: ai !

I I
O Dia
Velho senhor branco
chamou a Noite a sua escrava negra
e possuiu-a sobre o leito duro da senzala
das montanhas...

O Dia
Velho senhor mau
na carne rija e negra da Noite sua escrava
tatuou com a ponta de fogo das estrelas
o seu sinal de posse !

Desde esse dia
quando o senhor branco chama a Noite, a sua escrava,
a negra vem vindo
vem vindo
humildemente,
fica logo toda nua, vai logo se despindo
e se deita sobre as montanhas para a posse do Sol !

E a negra cerra as pálpebras negras de longos cílios negros
e abraça o corpo do senhor branco com seus braços negros
e na hora do êxtase do poente
recebe de repente,
a fecundação luminosa dos astros
no espasmo das nebulosas !
..............................................................

O senhor branco nunca pode compreender
aquela estrela brilhante
muito brilhante
da madrugada,
que deixou nos olhos embaciados da escrava negra
como uma lágrima
parada...



(Poema de JG de Araujo Jorge extraído
do livro " AMO ! " 1a edição 1938 )


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